quinta-feira, 14 de outubro de 2021

                                          A ÚLTIMA VEZ QUE TE VI 


Provavelmente Tom já lembrasse mais de mim, mas ele continuava sendo aquele garoto sensível disfarçado com roupas longas e a cara quase sempre séria. Esse era o estilo da minha paixão; fria e quente, cheia de nuances.

- Otávio: Oi, Tom! Sou Otávio, seu colega do ensino médio, lembra?

Ali ele sorriu, logo pensei que o motivo seria eu. 

- Tom: Oi. Desculpe, não lembro de você.

Ele foi embora deixando-me um vazio. Claro, nos encontramos por acaso, certamente estivesse com pressa, o metrô já ia partir. 

Eu não devia me importar, era apenas um detalhe do passado, além disso, estava á caminho do meu primeiro emprego. 

No trajeto de 1 hora, me desfiz da reação de Tom, ficando-me somente no que iria me levar adiante após essa frustração.

Na empresa, surpreso, nervoso e dando giros de pensamentos, pois era ali que eu ia dar um salto no futuro, depois de um duro período de estudos e conflitos. 

O que eu não imaginava era que voltaria a ver Tom, sim, ele também começava seu primeiro dia de trabalho. Para aumentar ainda mais meu espanto, ele faria parte da mesma equipe ao qual fui colocado, sobretudo, seria meu líder. 

Trocamos olhares, sorrisos, gestos que todo coração bobo expressa por fora. Porém, não chegamos a comentar o inusitado encontro. Talvez que ele quis se fazer de desentendido, tópico de sua sutileza. Seguimos como colegas, dessa vez adultos e de trabalho.

Não demorou muito para termos trocas de idéias mútuas e envolventes. Juntos produzimos e nos fazíamos grande. Nos tornamos uma dupla fenômeno na empresa embora Tom sempre estivesse ainda sobre mim, uma responsabilidade á mais, um jeito de ser mais apreciado... Mas o fato é, qualquer qualidade ou defeito nos completava. 

Por mais uma vez nos vimos no mesmo metrô. Até o desembarque, o tempo nos deu uma oportunidade para abrirmos um diálogo. Estranho, mas mesmo assim cada quilômetro aqueceu o momento. 

Foi ele que  deu as primeiras palavras em meio ao barulho da desconfiança, da insegurança e da ansiedade. 

-Tom: Na verdade sempre lembrei de você, mas com algumas tentativas frustradas, permiti o destino agir por si só. 

Meu coração? Sobresaiu-se pela janela e eu fiquei neon, mas mantendo-me firme. Coube a mim perguntar.

- Otávio: Nenhuma recordação te dava caminho para me procurar? 

Curto e direto! Foi assim que respondi seu recuamento. 

-Tom: Como disse, preferi deixar o destino agir. 

Otávio: Com a idade que você tem hoje, conseguirias me falar de amor?

-Tom: Sim! Até agora guardei todo meu amor pra  você. 

Bom, isso foi o bastante para deixa-me perplexo e certo que tivemos desencontros. 

- Otávio : Atrevo-me  a dizer que o único conceito de amor para mim revelado é o que também guardei até agora por você. Aquele abraço caloroso no último dia de aula nunca esfriou. 

Tom foi perspicaz. 

-Tom: Gostaria de ver algumas partes suas que estão sob essa roupa que o cobre justamente. 

-Otávio: Eu não sou partes, sou inteiro, como cada linha que entrelaça seu cachecol. 

Deixei-o calado por alguns minutos e logo desembarcamos e fomos para mais um dia de trabalho. 

Foi um dia incomum, parecia ser o último. Por diversas vezes trocamos olhares e no final do expediente fui presenteado com um eu te amo escrito em um papel deixado por Tom na mesa. 

Incrivelmente ele me esperava no metrô, e foi diante de um amontoado  de olhares que ele beijou meus lábios. Estonteante! 

No dia seguinte ao chegar no trabalho, havia um clima de comoção incompreensível. Deram-me a notícia da morte de Tom. Ele chegou a me falar tudo, menos que sofria de um câncer raro e sem cura. Em choque, voltei para casa sem dar explicação. Tentei ao máximo reviver aquela alegre memória. -  Foi a última vez que te vi.

Por: Davi Albuquerque

Instagram: davialbuquerque94

Imagem: istock